Evento promovido pela Fundep e inovabra habitat refletiu sobre o legado deixado pela pandemia de Covid-19 em 2020 e apresentou tendências para os próximos passos
A pandemia de Covid-19 desestabilizou o mundo em 2020, forçando adaptações, acelerando inovações e mudando o olhar da sociedade sobre a ciência. Mas qual foi o seu legado até então? Quais lições ficaram para a saúde, pesquisa, inovação e indústria? A partir delas, qual panorama podemos antecipar para esse ano no combate ao novo coronavírus?
Motivada por essas perguntas, a Fundep, em parceria com o inovabra habitat, hub de inovação do Bradesco, promoveu o evento “Aprendizados da Covid-19 no Brasil: avanços e tendências para 2021”, que reuniu especialistas em saúde, tecnologia e inovação, microbiologia e biotecnologia para compartilhar suas experiências e perspectivas do cenário pandêmico, os avanços da ciência nesse período e os próximos passos nessa luta.
Participaram do debate: Flávio Fonseca, professor da UFMG, pesquisador do CT Vacinas e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia; Rodrigo Oliveira, vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz; Bruno Andrade, CEO do BiotechTown; Manoel Antônio Peres, médico e presidente da Bradesco Saúde e Mediservice; Vanessa Silva, presidente da Anbiotec Brasil; Felipe Massami Maruyama, diretor de Inovação em Governo do IdeiaGov; e Sandra Vessoni, diretora do Centro de Desenvolvimento Científico e pró-reitora da Pós-Graduação do Instituto Butantan.
E-book Saúde
O evento também marcou o lançamento do e-book O Brasil no radar da revolução tecnológica da saúde, desenvolvido pela Fundep.
A iniciativa toma como base reflexões propostas por atores públicos, representantes da iniciativa privada, leis específicas para o setor e dados que apontam o sucesso e os desafios da inovação em saúde no mundo. Assim, analisamos criticamente a posição do Brasil na área e buscamos o posicionamento de diferentes fontes para apresentar ideias tangíveis e factíveis ao propósito de transformar a saúde em uma rede global.
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“Ficou claro que a ciência é a fonte de soluções”
Para Flávio Fonseca, o ano de 2020 expôs “o conflito que acontece quando as pessoas não usam a ciência como base de suas argumentações”. O pesquisador do CT Vacinas explicou que, na história da humanidade, momentos de crise catalisam inovações que transformam a maneira com que a sociedade vive e se relaciona, e que o rápido desenvolvimento de vacinas e a readequação do fazer científico nesse período mostram isso. “O novo não é necessariamente ruim”, ressaltou.
A pandemia de Covid-19 também mostrou a importância de uma divulgação científica incisiva e ampla, que seja inclusiva e mostre para a sociedade a importância do trabalho do cientista. “É difícil combater fake News se você não consegue dialogar com as pessoas”, pontuou Flávio. O peso do investimento em ciência também ficou em evidência, pois influencia a capacidade de resposta de um país às crises não-anunciadas: “o Brasil está investindo entre 12 e 15 milhões de reais em 15 projetos diferentes de vacinas nacionalizadas. O laboratório Moderna, que desenvolveu a vacina em parceria com a Pfizer e BioNTech, recebeu 1 bilhão de dólares. É abissal a diferença entre um país que não investe em pesquisa e aquele que o faz”.
Para o futuro, o professor frisa que o fator decisivo para o enfrentamento de crises como a pandemia de Covid-19 é o investimento perene em ciência, seja ele público ou privado. “A próxima pandemia começa a ser vencida hoje. O cientista que vai desenvolver a vacina para ela está sendo treinado hoje, nas universidades, com estruturas que estão sendo montadas neste momento. Essa crise vem como estímulo e formulador de respostas para o futuro”, concluiu.
“É necessário fazer a ciência chegar na população”
Como destaque do último ano, Rodrigo Oliveira destacou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) no combate à pandemia de Covid-19. “Não existe sistema de saúde igual no mundo, com um sistema de vacinação que consiga dar agilidade e eficiência, como no SUS. E essa capacidade é fruto de muita construção e planejamento nas últimas décadas”, apontou. O representante da Fiocruz também ressaltou o trabalho de universidades e institutos de pesquisa, que mostraram a capacidade de responder rapidamente à crise, seja na identificação e sequenciamento genético de novas variantes do coronavírus ou no intercâmbio de informações com os sistemas de saúde e os setores de desenvolvimento tecnológico, impactando na criação e otimização de vacinas.
Integrante de uma das instituições de pesquisa mais observadas nos últimos tempos, Rodrigo observa que o foco e a ansiedade nos trâmites de desenvolvimento e aprovação das vacinas para a Covid-19 mostraram a importância de saber comunicar a ciência para a população. Assim, a sociedade entende e torna-se responsável por cobrar e pressionar por políticas públicas que fomentem o incentivo em ciência. Para ele, o futuro exige preparação e ainda mais agilidade na busca por soluções para a sociedade, que devem sair dos centros de pesquisa e ir para as ruas. “É necessário buscar as tecnologias que estão dentro dos laboratórios, através de estímulos internos. Precisamos trazer o empreendedorismo para dentro do processo de pesquisa”, afirmou.
“Não chegamos ao fim dessa experiência e ainda existem lições a serem aprendidas”
Um dos efeitos causados pela pandemia foi a valorização das instituições de pesquisa nacionais, segundo Manoel Antônio Peres. Para ele, a presença constante de epidemiologistas, virologistas e sanitaristas na grande mídia ajudou a trazer criar uma consciência coletiva para a importância da ciência e dos serviços de saúde. O presidente da Bradesco Saúde e Mediservice também destaca a formação de uma cooperação internacional entre cientistas, que possibilitou que o fazer científico acontecesse em tempo recorde e inédito na história da humanidade. “A ciência será mais cobrada a partir de agora”, afirmou.
A saúde entrou em destaque e foram muitos os aprendizados nessa área. Para além da valorização de todos os profissionais atuantes na pesquisa ou na linha de frente de combate à pandemia de Covid-19, Manoel aponta que o papel do mutualismo entre sistemas de saúde públicos e privados será uma das grandes lições aprendidas. “Graças a essa experiência, conseguimos ter uma capacidade de entrega de serviços de saúde que está respondendo ativamente à pandemia. Reorganizamos frentes, demos assistência a um conjunto muito grande de pessoas, aceleramos mudanças e todos nós, como sociedade, estamos aprendendo”, diz ele.
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“A ciência é o gatilho fundamental para a organização da sociedade”
Sandra Vessoni enfatizou a importância das mudanças provocadas pelo momento pandêmico e como o Instituto Butantan precisou se adaptar à nova realidade: “O Butantan nunca mais será o mesmo. Precisamos reinventar nossas estruturas rapidamente e trabalhar em cooperação para impactar a saúde pública e, uma vez que você derruba esses muros, não há volta”. Segundo a professora e pesquisadora, para lidar com a demanda advinda da Covid-19, foram implantadas plataformas diagnósticas de resposta rápida para exames e estudos do cenário pandêmico, além do próprio suporte ao desenvolvimento da CoronaVac, vacina produzida pela empresa Sinovac em parceria com o Butantan.
Para Sandra, nunca antes a sociedade havia acompanhado, ponto a ponto, o trabalho das instituições produtoras de ciência, e que essa lição fica para todos os cientistas. “Somos acadêmicos, mas não somos a Academia. A sociedade está nos acompanhando nos desafios e dificuldades do processo científico, entendendo, aprendendo e deixando a mensagem da importância da divulgação científica, de mostrar como se faz ciência”, concluiu.
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“A ciência tomou a frente da sociedade”
Bruno Andrade trouxe à tona a perspectiva da conexão entre os setores, sobretudo entre os produtores de ciência e as organizações privadas, como um importante vínculo para a solução de problemas complexos em saúde e ciências da vida: “a iniciativa privada deve buscar parcerias com a pesquisa, participando desse ambiente de forma positiva, técnica e estrutural”.
O CEO do BiotechTown, fruto da parceria entre a Fundep, sua agência de inovação Fundepar e Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais, destacou as transformações que o hub de inovação precisou passar para se adaptar à realidade imposta pela pandemia de Covid-19. “Tínhamos um foco grande em espaços compartilhados e, de repente, não pudemos mais usá-los. Buscamos, então, formas eficientes de reunir e conectar investimentos e empreendedores via online, e o nível de qualidade e aproveitamento está superior ao período pré-pandemia”, contou.
Para ele, um aprendizado que irá guiar ações no futuro é uma abertura da sociedade e instituições para produtos e serviços inovadores. “Muitas ideias e iniciativas boas não tinham espaço anteriormente e ficam eternamente ‘sob desenvolvimento’. Agora, o ambiente está mais favorável para novidades e isso cria condições que essas inovações sejam postas em utilização”, finalizou.
“A pandemia nos mostrou que nada pode ser feito sem cooperação”
Vanessa Silva apresentou a importância da cooperação entre a inovação, a indústria, a biotecnologia e a ciência para o combate da Covid-19 e de futuras pandemias. Segundo a presidente da Anbiotec Brasil, o futuro exigirá a organização de uma sociedade em cooperação, com uma convergência de atores. “A pandemia forçou a cooperação de mundos distintos, como as Ciências da Vida e a Tecnologia. Diferentes competências começaram a convergir, e a tendência é que esse seja o novo padrão. Precisamos da área de Pesquisa e Desenvolvimento conversando com a área de Produção, cooperação entre setores de Qualidade e de Regulação, e esse futuro, em termos tecnológicos, não tem mais volta”, apontou.
Vanessa aponta que desafios enfrentados em 2020, como a dependência de insumos internacionais, mostraram a importância de um país independente e que investe em ciência. “As tecnologias precisam responder as demandas da sociedade, e empresas devem buscar fazer esse movimento em conjunto com instituições de pesquisa. As Ciências Biológicas podem e devem conversar com áreas da indústria, complementando-se. A pandemia evidenciou esse olhar, o de se perguntar do que a sociedade realmente precisa, para realizarmos entregas mais justas, corretas e humanas”, concluiu.
“Pessoas e cidadãos devem ser o centro das necessidades e soluções que buscamos”
Felipe Massami apresentou diversos exemplos de como a tecnologia pode contribuir a favor da melhoria de serviços e atendimento aos cidadãos. Segundo o representante do IdeiaGov, inovações podem estar no uso de tecnologias simples para a resolução de problemas reais, como a redução de filas de espera, atendimentos especializados e outras frentes que podem atender ao setor da saúde em harmonia. “A telemedicina é um exemplo, que surge em um contexto de transformação digital. A base deve evoluir e avançar com as tecnologias”, explicou.
Para Felipe, a pandemia de Covid-19 forçou a revisão da forma de se pensar a ciência e o investimento, colocando em xeque a ideia do que é importante versus o que é urgente. “É necessário fomentar, de forma sistemática e insistente, políticas onde as pessoas sejam o foco. Para isso, o Estado deve assumir o papel de catalisar, gerenciar e incentivar a inovação, buscando a resolução de problemas e pensando em novas frentes disruptivas”, concluiu.