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Covid-19 evidencia impactos da assistência inadequada à maternidade

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Crédito: Carol Dias/Sentidos do Nascer – UFMG

Aumentos expressivos de cesáreas programadas e de mortes maternas alertam sobre a urgência de práticas que priorizem a saúde da mãe e do bebê. Projeto Sentidos do Nascer – UFMG, reforça recomendações a gestores e profissionais da saúde 

 

Apesar do consenso entre literatura científica e classe médica sobre os riscos da cesariana, a prática continua crescendo no Brasil. Somos o segundo país com mais casos de cesarianas no mundo, atrás apenas da República Dominicana. Segundo dados do Ministério da Saúde (MS) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 57% dos partos são cesarianas, taxa que sobe para 84,6% considerando apenas a rede privada de saúde. Segundo Sônia Lansky, epidemiologista, pediatra e professora colaboradora da Faculdade de Medicina da UFMG, a pandemia de covid-19 agrava esse cenário devido ao aumento das cesarianas programadas sem indicação ou justificativa técnica, aquelas agendadas sem que a mulher entre no trabalho de parto. 

Sônia é uma das idealizadoras do projeto Sentidos do Nascer – UFMG, que defende a redução da cesariana desnecessária e da prematuridade no Brasil a partir da disseminação de conhecimento, promoção de reflexões e mudanças de comportamento e cultura. “A pandemia não pode ser motivo para o agendamento de cesarianas”, alerta a epidemiologista. Ela explica que a cesariana programada sem justificativa técnica é um procedimento cirúrgico que não respeita a evolução natural da gravidez e que envolve muitos riscos para a mãe e o bebê, como a exposição a ambientes coletivos no pré-partonecessidade de contato com mais profissionais de saúde e o aumento do período de internação – fatores que elevam a chance de contaminação por vírus e bactérias e, também, sobrecarregam o sistema de saúde. 

No início da pandemia, o Sentidos do Nascer, em conjunto com profissionais e entidades vinculadas à atenção obstétrica e de assistência humanizada à mulher e ao bebê, publicaram uma nota reforçando as recomendações a gestores e profissionais de saúde sobre a organização do atendimento às gestantes, parturientes (mulheres em trabalho de parto ou que acabaram de parir) e puérperas (mulheres no período pós-parto). O documento destaca a importância de evitar as acomodações coletivas e oferecer a devida proteção às mães, acompanhantes e profissionais de saúde. 

 

Covid-19 expõe violência contra a mãe e o bebê 

Segundo dados do Sistema de Informação de Vigilância da Gripe (Sivep-Gripe) do MS, apenas entre janeiro e abril de 2021, 433 gestantes e puérperas morreram em decorrência da covid-19. Em todo o ano passado, foram 546 mortes. O aumento expressivo revela a falha na assistência à mãe e ao bebê, realidade que segundo Sônia se relaciona ao valor da mulher na sociedade. “A covid-19 expõe a chaga da desigualdade de gênero e da assistência inadequada à maternidade, fatos que se perpetuam desde o início do século XX e que usam a força médica, hospitalar e cirúrgica desnecessária contra a mulher. A cesariana sem justificativa técnica faz parte desse cenário. A mãe sofre uma série de intervenções e o bebê é retirado de forma prematura antes do trabalho de parto”, ressalta. 

Nesse contexto, a nota das entidades reforça as recomendações do MS, do Conselho Federal de Medicina e da Associação Médica Brasileira de suspender as cirurgias cesarianas sem indicação clínica; encorajar o parto domiciliar seguro, planejado e com retaguarda hospitalar; e reorganizar a assistência ao parto e ao nascimento priorizando maternidades de baixo risco e centros de parto normal. 

No final de abril, o MS incluiu todas as grávidas e puérperas no grupo prioritário para receber a vacina contra a covid-19. Em março, o governo já tinha incluído as gestantes, puérperas e lactantes com comorbidades.  

 

A vontade da mãe em foco e a carência de espaços adequados 

Segundo Sônia, as melhores práticas para o parto seguro passam por três fatores: ambiente individualizado e com infraestrutura adequada; segurança e privacidade para a mulher se conectar com todo o processo; e apoio de uma equipe multiprofissional escolhida pela mãe, que inclui o obstetra e o neonatologista, profissionais responsáveis pela saúde da mãe e do bebê, mas também a doula e o acompanhante, que apoiam emocionalmente a grávida. 

Os centros de parto normal são estruturas que prezam por toda essa ambiência. “Esse é um modelo preconizado de apoio ao parto, que resgata a posição central da mulher no processo de nascimento. As evidências científicas mostram que além de ser uma experiência positiva para a mãe e o bebê, esses espaços garantem a segurança de todos os envolvidos”, explica a epidemiologista. 

A maternidade Leonina Leonor Ribeiro, no bairro Venda Nova em Belo Horizonte, representa as dificuldades para o fortalecimento da atenção central à maternidade. Centro de parto normal, o empreendimento foi construído em 2007 e tem capacidade para atender uma média de 350 partos por mês, mas nunca foi aberto ao público. Atualmente, a maternidade está em risco de demolição e mobiliza entidades e ativistas na luta por sua sobrevivência. 

Maria Goretti é mãe de sete filhos – três meninas e quatro meninos – e mora em frente à Leonina Leonor. Na sua última gravidezGoretti tinha 42 anos e desejava parir na maternidade, usufruindo a acessibilidade e assistência humanizada, mas o empreendimento não havia aberto as portas. Hoje, sua filha tem 13 anos de idade e o espaço continua fechado. “Eu que sou do bairro Venda Nova, não aceito que uma maternidade tenha sido construída com dinheiro público, e depois de estar tudo pronto, eles resolvam fazer outra coisa. Queremos a abertura da Leonina para ontem”, afirma a mãe que faz parte do movimento Leonina Leonor é nossa”. 

Goretti compartilha que suas experiências de parto sempre foram normais e que pariu sua última filha no Hospital Risoleta Tolentino Neves. “Deu tudo certo, mas minha vontade era ter sido na Leonina! O parto humanizado é muito bacana. Inclusive, tem mulheres que já chegam na maternidade parindo. As mães passam menos tempo na maternidade e há menos custo para o SUS”, enfatiza. 

Sônia complementa reforçando que hospitais gerais, principalmente durante a pandemia de covid-19, não são espaços adequados para atender as reais necessidades das mães e dos bebês. As gestantes não são pacientes. A maioria é de mulheres saudáveis que têm plena condição de parir sem procedimentos cirúrgicos. Nossa luta é para disseminar conhecimento e engajar as pessoas com esses sentidos, que são os sentidos do nascer. Isso é ciência! A ciência para empoderar as mulheres que se beneficiam dela e não aumentar a dominação desse conhecimento, que muitas vezes, atende a prioridades pouco ligadas com a experiência da maternidade”, finaliza. 

Fundep é parceira do Sentidos do Nascer. Além do projeto, assinam a recomendação: Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa), Parto do Princípio – Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa, Grupo de Estudos em Gênero, Evidências, Maternidade e Saúde (Gemas/FSP/USP), Departamento de Enfermagem (Ufscar), Curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH/USP), Federação Nacional de Doulas do Brasil, Nascer Direito – Coletivo Nacional de Advogadas no Enfrentamento à Violência Obstétrica, Ishtar – Espaço para Gestantes, Movimento #NasceLeonina e Movimento BH pelo Parto Normal. 

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