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Conheça 4 cientistas brasileiras que estão fazendo a diferença para a pesquisa no país

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(Foto: George Joch/Argonne National Laboratory)

Da descoberta da radioatividade, passando pela identificação da estrutura do DNA, até os cálculos que levaram o homem à lua. A contribuição das mulheres na ciência é inquestionável. Mesmo em condições extremamente desiguais em relação aos homens, elas romperam os limites impostos pela sociedade patriarcal e revolucionaram a ciência no mundo. E foi pensando nessa potência feminina para a pesquisa científica, que a Organização das Nações Unidas (ONU) criou, há cinco anos, o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, que é comemorado dia 11 de fevereiro.

A data é importante para homenagear grandes nomes da ciência como Marie Curie e Rosalind Franklin, mas também para inspirar mais mulheres a escolherem a carreira científica. O incentivo se mostra urgente diante dos números da participação feminina no campo científico. Segundo o estudo “Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)”, realizado em 2018 pela ONU Mulheres, menos de 30% dos pesquisadores do mundo são do sexo feminino.

O levantamento mostra que as meninas perdem interesse nessas áreas de conhecimento na medida que crescem, principalmente entre o início e o fim da adolescência. E aponta como motivo uma série de fatores relacionados à socialização e à aprendizagem delas, que são muito diferentes dos meninos. O estudo também destaca o papel central dos sistemas educacionais na determinação do interesse das meninas em disciplinas de STEM.

A coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher da UFMG (Nepem), Marlise Matos, explica que todos esses fatores sociais e culturais típicos de uma sociedade patriarcal formam um “teto de vidro”, que bloqueia o avanço das mulheres nas diferentes áreas de atuação, inclusive no campo científico. “A manutenção de não equidade entre homens e mulheres é motivada pela permanência do privilégio masculino nas posições de poder. Então, as mulheres até chegam à base, mas demoram mais a sair de lá. Na ciência, por exemplo, elas são maioria na concessão de bolsas de mestrado e doutorado, mas nas bolsas de produtividade em pesquisa elas têm apenas 36% de representatividade, segundo dados do Inep, CNPQ e do Parent in Science”, afirma.

Para Marlise, a solução passa pelo rompimento dessa lógica binária dos papéis de homens e mulheres, que leva a uma divisão sexual do trabalho. Ela também defende a criação de ações afirmativas para atrair mulheres para a produção científica. “A gente precisa incentivar as crianças para todas as profissões, observando suas habilidades, o que não tem nada a ver com o gênero. Também precisamos de bolsas e oportunidades de formação específicas para mulheres, debates sobre o tema envolvendo a escola e a sociedade em geral”, destaca.

A coordenadora lembra que esse enfrentamento da lógica binária dos papéis de homens e mulheres deve acontecer em todos os níveis, inclusive na universidade. “Eu ouvi muitas vezes que pesquisadoras do empoderamento das mulheres são militantes e não cientistas. Escolhi ficar nas ciências políticas porque era uma área com pouca atuação feminina e hoje tenho orgulho de ver que existe uma área temática sobre gênero na Associação Brasileira de Ciência Política e tantas universidades com linha de pesquisa no assunto”, afirma.

O mesmo enfrentamento foi o que ajudou a cientista Glaura Goulart Silva a trilhar uma trajetória vitoriosa na ciência. Apesar de ter nascido em uma família tradicional mineira, ela encontrou formas de se desvencilhar da cultura patriarcal e hoje é coordenadora do Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno (CT Nano/UFMG), que trouxe grandes contribuições nas pesquisas nacionais de nanotubos de carbono e grafeno.

“Meu pai era mais tradicional, mas eu tive muito incentivo da minha mãe, que era professora. Com bons resultados nos estudos, minha família me permitiu avançar: mudei de cidade, passei na UFMG e fui me envolvendo em grupos de iniciação científica. Isso abriu portas para a carreira na pesquisa”, relata.
Mais tarde, Glaura encontraria uma nova brecha para lidar com os obstáculos de ser uma mulher cientista. Ela ganhou uma bolsa para um doutorado na França e se mudou sozinha com a filha para o país. “Só consegui porque a França era um dos poucos lugares do mundo onde era possível uma mãe ser pesquisadora. Lá encontrei toda a infraestrutura social: creche em tempo integral e toda a segurança para eu continuar pesquisando”, diz.

Hoje, como coordenadora, ela enfrenta os desafios de ser uma mulher na liderança no meio científico. Mas sua estratégia é a mesma de quando era uma menina no interior de Minas Gerais: resistir. “Como mulher tenho sempre que me posicionar um pouco mais para deixar claro meu papel e ser ouvida. Mas faço isso de forma inteligente, com resiliência, flexibilidade e diálogo, que, a propósito, são características tipicamente femininas”, conclui.

Sem diversidade, ciência não evolui

Atrair a participação feminina para o campo científico é importante não apenas para garantir os direitos das mulheres, mas também para a evolução da ciência. A constatação está na história, que mostrou como o olhar feminino trouxe avanços nunca vistos. Isso também é citado no estudo “Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)”, realizado em 2018 pela ONU Mulheres.

O levantamento afirma que “a inclusão de mulheres promove a excelência científica e impulsiona a qualidade dos resultados em STEM”. E o motivo é simples: a diversidade gera criatividade, reduz potenciais vieses e cria soluções mais robustas.

O argumento é apoiado pela coordenadora do Nepem/UFMG. “Eu não acredito em neutralidade científica, então considero que todos produzem conhecimento a partir de sua história, seus valores e princípios. Nesse sentido, a ciência não pode ser só de homens brancos, tem que ser plural porque isso traz contribuições imprescindíveis para ela”, afirma.

Uma dessas contribuições veio pelas mãos da cientista Maria Eduarda Leão Diogenes Melo, responsável pela área técnica de alimentação, nutrição, atividade física e câncer do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Ela estudou o efeito de suplementação de cálcio e de vitamina D durante a gestação de mães adolescentes. O resultado da pesquisa trouxe achados importantes para a área e foi publicado em revistas científicas internacionais de renome.

Hoje, ela se dedica aos estudos nas áreas de produção de alimentos sustentáveis; avaliação do ambiente alimentar e gastos com câncer no Brasil atribuídos à má alimentação, ao excesso de peso corporal e à inatividade física. A área que ela coordena no Inca já foi premiada pela OMS e faz um importante trabalho de mapeamento de experiências de promoção de alimentação saudável e prevenção do câncer em vários territórios no Brasil.

“A ciência não é feita só por um bom projeto de pesquisa. Ela depende de muitas outras coisas, entre elas algumas características que são inerentes à mulher, como persistência, sensibilidade e observação vigilante na análise do objeto de pesquisa. É por isso que é tão importante que a sociedade reconheça a participação feminina na pesquisa, apoiando sua formação e sua atuação, inclusive com incentivo financeiro”, afirma.
Outra cientista que tem feito a diferença para a pesquisa no País em uma área dominada pelos homens é Emilia Villani. Ela atua no Programa Rota 2030, que estimula o desenvolvimento de inovações para o setor automotivo, e é professora do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde desenvolve pesquisas nas áreas de engenharia mecatrônica, automação industrial e sistemas aeroespaciais.

A cientista acredita que a discriminação de gênero, principalmente nas áreas de Engenharia e Ciências Exatas, assim como os desafios próprios da mulher – como a experiência da maternidade – ainda são obstáculos para o avanço da participação feminina na ciência. Mas ela também acredita nas oportunidades.
“Minha impressão é que os homens tendem a ser mais competitivos, enquanto as mulheres são mais colaborativas e, portanto, têm muito a contribuir para o desenvolvimento da ciência. A diversidade de gênero nos times de pesquisa proporciona visões mais ricas e contribuem para o desenvolvimento da ciência”, conclui.

Desenvolvimento esse que é a missão da Fundep, instituição de fomento à pesquisa que apoia diversas cientistas em projetos como o Rota 2030 e o CTNano/UFMG. A Fundação acredita no potencial das mulheres na ciência para romper as barreiras na produção científica no Brasil.

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