Em evidência no cenário da pandemia de Covid-19, a divulgação científica no Brasil mostra sua força para a valorização e o investimento em pesquisa
A imagem clássica do cientista envolto em vapores coloridos, trancafiado em um laboratório, rodeado por lousas preenchidas por equações que somente seus pares compreendem está cada vez mais ultrapassada. Atualmente, produtores de ciência estão tornando-se produtores de conteúdo, enquanto jornalistas recorrem aos cientistas para fundamentar informações, buscando mostrar para a sociedade o valor e a potência de todo o conhecimento gerado nos centros de pesquisa, nas mais diferentes áreas. Diversas iniciativas vêm surgindo em todo o país, como cursos e capacitações, mostrando a importância da divulgação científica no Brasil.
Para Yurij Castelfranchi, sociólogo da ciência e professor da UFMG, a divulgação científica é importante para a sociedade e imprescindível para a sobrevivência das instituições científicas, tanto para a legitimação do saber produzido quanto para a angariação de apoio e recursos. “A divulgação científica já era essencial antes mesmo da pandemia. Sua importância vem crescendo nos últimos anos, com o interesse público nas inovações técnicas da biotecnologia e as questões levantadas pela inteligência artificial”, explica. Dilemas contemporâneos também evidenciam o papel da ciência na sociedade, como os problemas causados pelo negacionismo climático e das crises socioambientais. “Sem divulgação científica, hoje, não existe ciência”, afirma.
Divulgação científica na pandemia de Covid-19
Se antes as iniciativas operavam de forma tímida e isolada, a pandemia de Covid-19 jogou a ciência em evidência. “A partir de 2020, tivemos uma ‘infodemia’, uma tempestade de informações e desinformações sobre a Covid-19. Nesse período que ainda estamos vivendo, a divulgação científica cumpriu o papel central de defesa da saúde pública e da democracia”, aponta Yurij.
Para o professor, a divulgação científica veio como importante instrumento para subsidiar a tomada de decisões políticas, baseada em evidências científicas. “O objetivo principal dessas ondas de desinformação que vêm ocorrendo em todo o mundo é colocar obstáculos no processo de deliberação pública de governos”, explica Yurij. Assim, a divulgação científica vem servindo de contraponto, explicando questões sanitárias e biológicas de forma acessível para orientar as posturas dos governantes e da sociedade neste momento de crise.
Iniciativas de sucesso
Institutos de Ciência e Tecnologia estão fazendo a sua parte para divulgar ao público sobre a ciência brasileira. No caso da UFMG, várias unidades acadêmicas contam com setores de comunicação e tem, também, a produção de conteúdo do Centro de Comunicação da Universidade. Nessa frente, a divulgação científica acontece de duas maneiras: através da publicação de informações, veiculadas nos canais das unidades, e da extensão universitária, que constrói um espaço de interação entre a UFMG e diversos setores da sociedade.
Cursos de divulgação científica também não são novidade. Entre diversas iniciativas no país, a especialização em Comunicação Pública Amerek, ofertado pela UFMG, se destaca pelo caráter transdisciplinar e pela multiplicidade de seus alunos, que são professores, pesquisadores e jornalistas interessados em ampliar o alcance da ciência. Iniciado em 2019, o Amerek é coordenado pelo professor Yurij e conta com um corpo docente de jornalistas e pesquisadores de diversas áreas.
Apoiado pelo Instituto Serrapilheira, o Amerek montou, no ano passado, uma força-tarefa de voluntários, composta por alunos e professores do curso, pesquisadores da UFMG e de outras universidades, para produzir informação científica e acessível. O trabalho foi focado na produção de conteúdo para grupos específicos, como populações indígenas, de áreas rurais, imigrantes e refugiados. Assim, a força-tarefa Amerek buscou adequar o conhecimento científico para diferentes realidades, utilizando linguagens, suportes e formatos estratégicos.
Como os pesquisadores brasileiros podem se engajar na divulgação científica
A ciência e inovação brasileira, embora de alta qualidade, ainda são pouco visíveis no país. Para Yurij, um dos problemas é o fato de que os grandes veículos de mídia do Brasil ser fomentada por agências de notícia internacionais, que destacam avanços científicos de diversos países, mas não incluem o Brasil. Algumas iniciativas vêm tentando preencher esse gap, como a Agência Bori, que pauta pesquisas inéditas para jornalistas de todo o Brasil. “Falta uma maior acessibilidade na divulgação de pesquisas e a procura de jornalistas por elas”, explica.
Uma das soluções para esse impasse pode ser estimular que pesquisadores se capacitem para poder atuar como divulgadores científicos de suas próprias pesquisas, dando acesso a ferramentas para alcançarem seus públicos e maior autonomia para promover ações. “Esse cenário vem se transformando graças aos divulgadores que utilizam as plataformas digitais como Twitter e Instagram, mas ainda falta muito”. Yurij chama a atenção para diversos estudos que analisam a relação da sociedade com ciência e tecnologia, como os do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, que podem auxiliar nesse trabalho, evitando uma divulgação “ingênua e ineficaz”.
Yurij define o fortalecimento da divulgação científica brasileira em um tripé. Em primeiro lugar, está a capacitação dos comunicadores da ciência. Em segundo lugar, uma maior acessibilidade da pesquisa brasileira e integração com veículos de imprensa, jornalistas e comunicadores. Por fim, políticas públicas que criem oportunidades para incentivar a comunicação da ciência para públicos amplos, não só na forma de editais, mas também na instituição de uma cultura acadêmica que comece a premiar os cientistas que dedicarem seu tempo a divulgar ciência.
Pesquisa de consumo de ciência Fundep
A Fundep realizou, ao longo do mês de outubro de 2020, uma pesquisa sobre hábitos de consumo de ciência, com o objetivo de levantar oportunidades para o fortalecimento da divulgação científica e da popularização da ciência, nos debates presenciais ou virtuais da sociedade. Com essa pesquisa, foi possível observar a importância que as pessoas dão para conteúdos científicos, a frequência e os principais canais utilizados para esse consumo e sua avaliação sobre a divulgação científica no Brasil.
“O fato de uma fundação como a Fundep realizar uma pesquisa como essa é muito importante, pois permite conhecer seus públicos e fazer uma atuação pautada em sua percepção”, elogia Yurij. “É um importante instrumento de escuta da sociedade e de impacto para a divulgação científica, pois não existe mais ciência e inovação sem a participação e apropriação social do conhecimento”, explica o professor. Para Yurij, instituições de apoio à ciência, como a Fundep, devem buscar novas formas de reconstruir o pacto social em prol da ciência, feito com uma maior participação ativa da sociedade e o apoio da Academia.
Os resultados mostram que a dimensão on-line da divulgação científica é cada vez mais importante, especialmente entre o público jovem e que está no mercado de inovação, ciência e tecnologia com alta escolaridade. Embora a televisão ainda seja a principal fonte de conhecimento entre públicos com baixa escolaridade, a Internet está tecnicamente empatada com ela. “Isso mostra a importância de povoar as plataformas digitais com boa divulgação científica, com foco estratégico em públicos específicos”, comenta Yurij. Públicos corporativos podem ser mais atraídos por conteúdos no formato de podcast, enquanto o público jovem está mais atento a novas redes sociais com diferentes linguagens, como o TikTok e o Instagram. “Saber direcionar a divulgação científica para diferentes mídias e entender a percepção dos públicos é essencial para produzir um conteúdo que atinja, de forma capilar, as maiores audiências possíveis”, pontua.