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Instituições de C&T, parlamento, setor produtivo e pesquisadores listam motivos para defender orçamento da ciência

Postado em Ciência, Tecnologia e Inovação
Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG
Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG (Foto: UFMG/Marcílio Lana)

Duas décadas após definição de um dia para celebrar a ciência e pesquisadores, cortes no orçamento e desmantelamento do sistema de C&T ameaçam avanços conquistados  

 

O sistema nacional de ciência e tecnologia brasileiro alcançou, neste século, um grau de maturidade sem precedentes em sua história. Por causa dele, o país aparece em 13º lugar no ranking dos países que mais produzem ciência, de acordo com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização social ligada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Além disso, o país ocupa o 28º lugar no ranking de qualidade de seus pesquisadores e é o 24º na produção de artigos e pesquisas citáveis, o que indica potencial científico.

Na avaliação de pesquisadores e gestores em C&T, o fortalecimento observado do final do século passado à primeira década do atual está associado ao lugar que educação, ciência e tecnologia passaram a ocupar na lista de prioridades do poder público federal. Entretanto, 20 anos depois da instituição de 8 de julho como o Dia Nacional da Ciência (Lei 10.221/2001), o cenário de cortes no orçamento e desmonte do sistema de produção e inovação da ciência preocupa diferentes atores.

 

CORTES NA CONTRAMÃO DO DESENVOLVIMENTO

O orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) sofreu um corte de 29%. Era previsto para o MCTI neste ano a quantia de R$ 8,3 bilhões, comparado a R$ 11,8 bilhões em 2020. A asfixia também atinge em cheio o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A agência de fomento conta, em 2021, com um minguado orçamento de R$ 23,7 milhões, quantia insuficiente para a sustentação da produção científica nacional. Na educação, o cenário nãé diferente. O corte foi de 18,16% no orçamento discricionário de todas as 69 universidades federais, o que corresponde a R$ 2,7 bilhões.

O contínuo contingenciamento das verbas das universidades públicas federais, somado ao corte de bolsas e de financiamentos da ciência brasileira, coloca em risco o desenvolvimento científico do Brasil e o futuro do país. Logo, ameaçam também a permanência de muitos de nossos pesquisadores. Esses profissionais têm se deslocado para o exterior buscando melhores condições de trabalho e investimentos para as suas pesquisas”, alerta Sandra Regina Goulart Almeida, reitora da Universidade Federal de Minas Gerais e presidente da  Associação de Universidades Grupo Montevidéu (AUGM) - entidade criada em 1991 para congregar universidades da América do Sul que compartilham entre si as suas vocações e o seu caráter público.

 

atitude divergente de nações inovadoras

“As nações com projetos de desenvolvimento de longo prazo são as que mais dão importância à ciência. Porque elas aplicam recursos de forma contínua em seu sistema de C&T. Há a clareza de que só ampliarão seus índices de desenvolvimento econômico, social e humano se a ciência ocupar um lugar central em suas políticas públicas”, argumentou a dirigente em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo neste Dia Nacional da Ciência. 

“Enquanto países como os Estados Unidos e Alemanha investem 3% de seu PIB em atividades de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, o investimento no Brasil, que vem diminuindo consideravelmente nos últimos anos, equivale a menos de 1%, com um PIB bem inferior ao daqueles países”, completa. Países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) investem 2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento. Israel, Coreia do Sul e China, 5%.

 

Ameaça ao futuro

O corte tem implicações em todo o sistema. Menos recursos acirram a disputa e provocam um efeito ainda mais perverso: acentuação das desigualdades regionais. Isso em razão da concentração de alternativas de apoio nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, favorecendo regiões que historicamente são mais desenvolvidas. Esse alerta é da presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), Flávia Callé.

“A redução atinge as bolsas e afeta diretamente a vida de aproximadamente 1/3 dos estudantes de pós-graduação brasileiros. Anteriormente, o cenário era de crescimento da área. Além disso, desde 2019, passamos a enfrentar uma política que coloca em pauta o corte e a extinção de instrumentos de fomento. Recentemente, tivemos que nos mobilizar intensamente para evitar que o CNPq não fosse extinto. É uma situação grave e alarmante, que impacta, inclusive a qualidade e a diversidade dos programas de pesquisa”, avalia Flávia Callé.

 

fundações de apoio e fundep

No cenário de restrições, é cada vez mais estratégico o papel das Fundações de Apoio, criadas para viabilizar, de maneira ágil e eficiente, a relação entre academia, por meio das universidades e institutos de pesquisa, e a sociedade, por meio de empresas e organizações sociais, intermediada pelo poder público.

As Fundações de Apoio gerem recursos oriundos, em sua maioria, de instituições públicas, como a Financiadora de Projetos (Finep) – agência pública de financiamento da inovação vinculada ao MCTI – e Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP’s), vinculadas a governos estaduais. Captar recursos junto à iniciativa privada tem sido um relacionamento cada vez mais necessário e viabilizado por essas instituições, mas não pode ser uma forma de desresponsabilizar o Estado, avalia o presidente da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep) da UFMG, Jaime Arturo Ramírez.

“América do Norte, Ásia e Europa concentram cerca de 90% dos gastos em pesquisa e desenvolvimento. Nestes continentes, o setor privado responde pela maior parte das inovações, ainda que subsidiados ou subvencionados pelo governo. No mundo inteiro a média é de 75% de financiamento privado. No Brasil, o Estado arca com a metade. Disso decorre que um contingenciamento como temos assistido provoca o desmonte do sistema de desenvolvimento da ciência. Isso é inadmissível, ainda que reconheçamos ser necessário trazer a iniciativa privada para o financiamento da pesquisa, não é com o intuito de substituição ao Estado, mas de fortalecimento e esforço de inovação”, avalia.

 

Indústria teme por desmonte de inovação 

O Brasil ainda aparece apenas no 62º de 131 economias na última edição do Índice de Inovação Global. O paíé superado por todas as nações do Brics, bloco formado pelas economias emergentes: Rússia, Índia, China e África do Sul, além do Brasil. 

A situaçãé avaliada como distante do ideal pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), principal representante do setor industrial no país. O Mapa Estratégico da Indústria 2018-2022 previa que o segmento iria “empenhar-se para o alinhamento das políticas industrial, de inovação e comércio exterior”. O desejo é que o país dê adeus à posição de grande exportador de matérias-primas e invista em atividades e tarefas especializadas. Em geral, envolvendo direta e indiretamente o setor de serviços.

 

MUDANÇA DE POSIÇÃO DO PAÍS NAS CGVs

O desafio é grande. Aprofundar e melhorar a inserção do Brasil nas chamadas cadeias globais de valor (CGVs) está no radar da CNI desde 2008, ano em que a entidade lançou a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI). Para a diretora de Inovação da CNI e coordenadora da MEI, Gianna Sagazio, “são tempos difíceis e o Brasil está na contramão”.

“Países inovadores, competitivos, que têm economias fortes são, portanto, capazes de gerar melhor qualidade de vida para as suas populações. Esses países investem e reconhecem que investir em ciência, tecnologia e inovaçãé a principal estratégia de desenvolvimento. Por outro lado, no Brasil investir em C&T ainda é visto como gasto”, destaca.

A dirigente da CNI acredita que o empresariado brasileiro está consciente da necessidade de uma mudança de postura. Gianna Sagazio – que faz questão de reafirmar que a razão da existência da MEI é aprofundar os investimentos em C&T, buscando estimular a estratégia inovadora das empresas brasileiras e ampliar a efetividade das políticas de apoio à inovação por meio da interlocução construtiva e duradoura entre a iniciativa privada, academia e o setor público – indica que o setor industrial compreende que há uma relação direta entre inovação e prosperidade.

 

QUEDA das atividades da indústria de transformação

Mas os sinais da economia ainda são distintos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Figura 1), a produção física industrial por seções industriais – série histórica entre janeiro de 2002 a janeiro de 2021 – mostra a queda das atividades da indústria de transformação e o respectivo crescimento das indústria de extração.

Fonte: IBGE

 

 

 

“O Brasil tem sobrevivido, há muito tempo, com uma balança comercial basicamente dominada pelas commodities. s temos compradores que, por enquanto têm absorvido nossa exportação. Mas, essa é uma posição extremamente frágil, dependente. A China, por exemplo, grande compradora da soja e do minério de ferro brasileiros, está diversificando os seus parceiros comerciais”, alerta o presidente da Associação Brasileira de Ciência (ABC), Luiz Davidovich.

 

SEM PREVISÃO DE MUDANÇA

No Brasil, ao contrário, não há uma previsão de mudança. “Setores ligados à exportação de commodities, que são extremamente poderosos, não têm interesse na mudança. No fundo, é um jogo de interesses e estamos diante de um projeto político. Mas no mundo atual, a competição se dá no campo da alta tecnologia. E o Brasil está do lado de fora”, lamenta o pesquisador que a partir desse 8 de julho passa a integrar o Sou_Ciência. A iniciativa é um centro de estudos multidisciplinar composto por pesquisadores de várias áreas do conhecimento e pertencentes a diversas universidades públicas brasileiras lançado neste Dia Nacional da Ciência, da Pesquisadora e do Pesquisador.

Para Gianna Sagazio, os cortes do governo atingem o setor de transformação, que se ressente de visão de longo prazo, de políticas públicas robustas com instrumentos de fomento e investimentos sustentáveis e sustentados. “O FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, principal instrumento de fomento à ciência, tecnologia e inovação (CT&I) no Brasil] vem sofrendo contingenciamento. A cada ano, mais contingenciamentos e proporcionais ao aumento da arrecadação do fundo. Porque quase 50% da arrecadaçãé Cide [espécies de contribuições que se destinam ao custeio da atividade interventiva da União no domínio econômico]”.

Ela destaca ainda que as empresas pagam com consciência de que o imposto é importante para o desenvolvimento do país. E “não para ser utilizado para cobrir déficit primário. O setor é ciente do seu papel social e para o desenvolvimento do país”.

 

Outras faces e vozes 

O ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro, Celso Pansera, atual secretário-executivo da Iniciativa de Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICPT.br) – movimento da sociedade civil focado na produção, disseminação e discussão de informações que pretendem influenciar nas tomadas de decisão legislativas – acredita na reação e na resistência ao desmonte da ciência no Brasil. 

“Dá muito trabalho, nos obriga a estar o tempo atentos, buscando alianças, debatendo, mas é única forma de enfrentar esta situação”, comenta. Assim foi, lembra o ex-parlamentar, em relaçãà derrubada dos vetos impostos por Jair Bolsonaro (sem partido) ao trecho da Lei Complementar nº 177. O artigo proibia novos contingenciamentos dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Segundo Pansera, as adversidades estão unindo setores historicamente distantes. O que acontece hoje é que existe um projeto político consciente contra a sociedade do conhecimento, contra a ciência. Esse projeto apoia-se na desinformação e, portanto, combate a ciência, as universidades, o conhecimento. Hoje, a mobilizaçãé para evitar um desmonte ainda maior. Atacar a ciência tornou-se uma estratégia de sustentação política do atual governo”, alerta o coordenador do ICPT.br. 

 

A CIÊNCIA NÃO PARA

Neste 20º aniversário do Dia Nacional da Ciência, o que não falta são motivos para reivindicar a pesquisa e a inovação como prioridade nacional. “A ciência não para. É um processo em constante evolução e demanda investimentos contínuos e sustentados. Se o Brasil alimenta a ambição de ingressar no seleto grupo de nações desenvolvidas, que oferecem a seu povo um futuro de oportunidades, bem-estar e justiça social, ele não pode negligenciar o necessário investimento em ciência e tecnologia”, finaliza a reitora Sandra Goulart Almeida. 

 

FUNDEP CONECTA

Como uma das fundações de apoio de maior expressividade no Brasil, vinculada à UFMG e que também atende outras 32 instituições de ciência e tecnologia do País, a Fundep atua nas cinco regiões do País. Nesta edição especial da Fundep Conectaé possível conhecer projetos desenvolvidos por instituições de distintas áreas do conhecimento, mas igualmente estratégicas em seus ecossistemas.

Confira outros destaques sobre Ciência e, para mais reportagens sobre pesquisa e inovação, acesse a edição de julho da newsletter Fundep Conecta.

(Marcílio Lana)

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