Fundep

Matemática: profissão de menina

Postado em Ensino e Inovação
Equipe do Projeto Visitas, com a professora Aniura Barrientos ao centro. Paridade de gênero não é a realidade da área de matemática.

No Dia para Celebrar a Mulher na Matemática, conheça o trabalho de um laboratório, apoiado pela Fundep, que busca estimular o gosto pelas linguagens matemáticas, particularmente para garotas.

 

A julgar pela equipe do Projeto de Visitas ao Laboratório de Ensino da Matemática do Departamento de Matemática (DMAT) do Instituto de Ciências Exatas (Icex) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a área é paritária quando o assunto é gênero. Sob o comando da cubana Aniura Barrientos (na foto acima, ao centro), doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, as graduandas Ana Luísa, Hillary, Júlia e Maria Clara dividem espaço com os colegas Antônio, Breno, Marlon e Sávio. Mas a equipe é um espelho pouco fiel à realidade da área no Brasil e no mundo, onde apenas 35% dos alunos de cursos de graduação nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (stem, na sigla em inglês) são do gênero feminino, de acordo com a ONU Mulheres

Maryam Mirzakhani
Maryam Mirzakhani

A baixa participação de meninas no curso de matemática levou professoras e alunas do DMAT a aderirem ao Dia para Celebrar a Mulher na Matemática, comemorado nesta quarta (12/05) em todo o mundo. A data foi escolhida por ser o dia de nascimento da primeira, e até então única, mulher a receber a Medalha Fields, considerada o “Prêmio Nobel da Matemática”. A iraniana Maryam Mirzakhani, nascida em 12 de maio de 1977, fez história em 2014, ao receber a honraria. O prêmio, oferecido a cada quatro anos, chegou a 60 laureados na edição de 2018.  A iraniana morreu em 2017, aos 40 anos.

Reverter o quadro de desigualdade de gênero é um dos objetivos do Projeto Visitas, que assumiu um novo desafio durante a pandemia: manter a interlocução com escolas de ensino básico e apoiar professoras e professores no ensino da matemática em contexto de educação emergencial a distância. O projeto de extensão, apoiado pela Fundep, recorreu à linguagem e agilidade das redes sociais para manter a conexão com docentes e estudantes do ensino básico.

No perfil do projeto no Instagram  uma sucessão de jogos, vídeos, charadas se transformam em material de apoio ao ensino da matemática. “A coisa que mais encantava as crianças era descobrir que vinham para um laboratório de matemática e não se aborreciam. Estavam ali para brincar, se divertir. Aprendiam que a matemática exige ordem sim, mas pode ser divertida”, explica a coordenadora Aniura Barrientos. 

O próximo passo, com apoio da Pró-reitoria de Extensão da UFMG, será publicar a revistinha em quadrinhos “Fibo e Sofia”, que nasceu nas redes sociais como forma de auxiliar as professoras e professores de matemática das escolas básicas a encontrar material lúdico e de qualidade para a tarefa do ensino a distância. Outro projeto que está sendo gestado é uma série de oficinas online tanto para professores quanto para estudantes do ensino básico. “Estamos pesquisando e produzindo materiais para essa nova realidade educacional”, explica Aniura.

Como mulher matemática, Aniura se preocupa também com os efeitos da pandemia sobre a educação básica, sobretudo das meninas. “Vários pesquisadores têm apontado o risco do retrocesso nas conquistas em educação, principalmente  em países como o Brasil, onde estamos falando não apenas de atraso na escolarização, mas até mesmo de evasão devido à falta de estrutura de famílias que não tiveram como oferecer a oportunidade da educação a distância para seus filhos. Será necessário muito investimento”.

Três perguntas para Aniura Barrientos

Por que é importante dedicar um dia a Celebrar a Mulher na Matemática?

Quando se observa a profissão há uma porcentagem muito pequena de mulheres e a tendência é de piora. No Departamento de Matemática da UFMG, por exemplo, todas as últimas contratações foram masculinas. Durante sua trajetória escolar as meninas raramente se deparam com professoras mulheres e isso faz com que elas não se sintam representadas e se desencorajam de seguir a profissão. Quando fazem essa opção, podem enfrentar, além das dificuldades que todo pesquisador encontra, sobrecarga relacionada ao cuidado com a família, maternidade. Portanto, é necessário aproveitar as oportunidades para promover essa reflexão.

Meninas são culturalmente estimuladas a brincar apenas com bonecas e similares que imitam a vida doméstica, enquanto meninos recebem mais presentes que estimulam raciocínio, como blocos de montar. Que tipo de impacto isso tem sobre a relação com a matemática?

Recentemente li um livro sobre a história das únicas 17 mulheres que receberam um prêmio Nobel e observou-se que grande parte delas tinha uma afinidade grande com o pai. Essa afinidade permitiu a elas escapar do estereótipo de que a mulher deve se preparar para o cuidado com a casa, sobretudo, tido como atividade feminina. Essa afinidade com um homem permitiu a elas se identificarem com o pensamento científico. Sociedades igualitárias deveriam se esforçar para que essas associações estereotipadas fossem desautorizadas. Em Cuba, por exemplo, há muitos anos há um esforço para que, em creches, meninos e meninas brinquem com os mesmos brinquedos, da mesma maneira. Não é o que vai resolver a disparidade, obviamente, mas é um novo olhar cultural importante. 

Aniura: Na volta às aulas, a primeira abordagem deve ser lúdica.

Como a senhora avalia que possa ser o impacto de um afastamento tão prolongado do ambiente escolar sobre a educação matemática. Como essa matéria tão temida deve ser tratada no retorno ao presencial?

Certamente a pandemia deixou prejuízos sobre o aprendizado da matemática, por melhor que tenha sido a abordagem. E, obviamente, é necessário traçar estratégias de superação do atraso. Mas não é assim que as crianças devem ser recebidas de volta nas escolas. Os sentimentos serão contraditórios. Haverá a felicidade de voltar, mas muitas pessoas estarão voltando com dor, com tristeza pelas perdas que poderão ter sofrido. Tudo isso precisa ser considerado, a reaproximação deve ser cuidadosa. A primeira abordagem deve ser lúdica. 

Comemorações

Na UFMG, as mulheres decidiram prestar homenagem às matemáticas que as antecederam, uma forma de agradecer por serem fonte de inspiração e terem aberto o caminho. A homenagem ocorre por meio da apresentação de fotos e vídeos, na página do Departamento de Matemática

Durante todo o mês de maio, serão realizados vários eventos no mundo todo em alusão à data. As atividades comemorativas estão disponíveis na página Celebrando a Mulher na Matemática em 2021.

Pular para o conteúdo