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Muito além de uma vacina: combate ao novo coronavírus dependerá de novas pesquisas e investimento local em ciência e tecnologia

Postado em Ciência, Tecnologia e Inovação
Vaccine
Foto: HakanGERMAN/PixaBay

O Brasil inteiro comemorou, na última semana, a aprovação de uso emergencial das vacinas Coronavac e AstraZeneca pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O início da imunização no país foi um grande passo na guerra contra a Covid-19, mas, muitas batalhas ainda precisam ser vencidas. Na linha de frente, um exército de pesquisadores se desdobra para conhecer melhor o inimigo.  
Nas universidades e nos centros de pesquisas brasileiros é intensa a busca por respostas a perguntas ainda não respondidas. Entre elas, a eficácia das doses já criadas para determinadas variantes do SARS-COV-2 que surgiram no Brasil, o tempo de imunização e até mesmo qual o teste ideal para descobrir se a pessoa vacinada está infectada.  
“O cenário esperado é que a Covid-19 se torne endêmica, o que significa que ela se mantém circulando e com transmissão por longos períodos em todo o país. A tendência é a substituição de tipos virais ao longo do tempo, então, é possível que a vacina precise ser modificada de tempos em tempos, como ocorre com a da gripe”, pondera a pesquisadora do Centro de Tecnologia de Vacinas e Diagnósticos da UFMG (CT Vacinas) e coordenadora da sub-rede de diagnósticos da Rede Vírus do Ministério de Ciências, Tecnologia e Inovação, Ana Paula Fernandes. 
Para a pesquisadora, isso reforça a necessidade de investimento em pesquisa local, pois, mesmo com a imunização, serão necessárias estratégias para conviver com o vírus pelos próximos anos. No Brasil, o CT Vacinas da UFMG integra a RedeVírus, comitê formado pelos Ministério da Saúde e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações que reúne cientistas e especialistas para o desenvolvimento de diagnósticos, tratamentos, vacinas e produção de conhecimento sobre o vírus. Fundep é parceira do CT Vacinas e desenvolveu um acompanhamento exclusivo para dar celeridade à aquisição de insumos, serviços, equipamentos, além da contratação de pessoal para a ampliação e qualidade dos testes da Covid-19. 
Desde janeiro do ano passado, Ana Paula coordena ações para criar testes sorológicos, que já estão sendo usados pelos governos Federal, Estadual e universidades, ampliando a capacidade de testagem.  A equipe de pesquisadores se formou exclusivamente para estudar a doença e tem sido um apoio ao governo e à sociedade nos bastidores.  
 “Mesmo com verba escassa e antes mesmo da doença chegar ao Brasil, a gente estava em alerta, estudando, preparando, gerando insumos. Em março de 2020, quando os casos chegaram, a gente já tinha condições de fazer diagnóstico. Mas, para isso, estudantes de doutorado que estavam desenvolvendo diagnósticos para outras doenças abandonaram seus projetos para se dedicarem à Covid”, lembra a pesquisadora.  
Agora o desafio é outro, como ela mesmo conta: “O cenário mudou. Tudo está mudando muito rapidamente ao longo da pandemia. Agora, nós precisamos entender como vai funcionar a imunidade da população como um todo. Os diagnósticos têm que diferenciar quem está respondendo à vacina ou está infectado. E isso para diferentes tipos de imunizantes”, explica.  
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio Guimarães da Fonseca, o início da imunização no país é histórico e deve ser comemorado por representar o que ele chama de “homenagem à esperança”.  Mas ele lembra que a aprovação emergencial das vacinas ocorreu antes de os estudos da fase três estarem completamente finalizados. Sendo assim, há necessidade de responder algumas questões como: por quanto tempo essa imunidade é garantida e os efeitos adversos previstos em uma população mais ampla.   
O que se sabe é que, com uma eficácia geral de 50,38% da Coronavac e de 70% do imunizante de Oxford, a erradicação do vírus não é imediata. Em linhas gerais, a cada 100 pessoas que receberem a Coronavac (primeira vacina disponível no país), cerca de 50 poderão ainda ser infectados pelo vírus. A boa notícia é que os vacinados, mesmo que infectados, deverão desenvolver sintomas mais leves da doença e com menores chances de mortes, o que é um avanço.  
 “Diante da emergência, uma vacina como essa, mesmo em condições ainda não ideais, vem suprir uma necessidade absoluta. A gente precisa realmente começar a diminuir a suscetibilidade da população em relação à infecção pelo SARS-COV-2 e a vacina vai ajudar nisso. Ela vai servir inclusive para nos dar tempo enquanto outras vacinas também chegam, como a de Oxford”, explica Fonseca.  
Ainda segundo o pesquisador, a utilização emergencial da Coronavac deve desafogar o sistema de saúde, com a redução dos casos mais graves. 
 

 
Vacina brasileira é saída para erradicar vírus 
Se para uma parcela dos pesquisadores, os testes e o comportamento do vírus são o foco, para outra, a busca por uma vacina brasileira é o principal objetivo. E em vários centros de pesquisa nacionais há uma verdadeira corrida contra o tempo para oferecer um imunizante que atenda às especificidades locais.  
O CT Vacinas da UFMG é uma das instituições que busca produzir uma vacina local. O método usado na federal mineira é inovador ao combinar outros vetores virais para gerar respostas imunológicas contra o novo coronavírus. Na prática, os pesquisadores usam, por exemplo, o vírus da gripe, com a inclusão de um gene do Sars-Cov-2. Assim, o novo imunizante será bivalente, ou seja, protegerá ao mesmo tempo da gripe e do coronavírus. Porém, os estudos ainda estão na fase pré-clínica.  
Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio Guimarães da Fonseca, essa é uma realidade de todos os imunizantes em produção no país. “Os estudos de uma vacina genuinamente nacional estão em etapas iniciais. Nos últimos dez anos, as políticas brasileiras em relação à ciência foram cruéis. Houve perda de recursos, cortes orçamentários, desestímulo a jovens pesquisadores. E não adianta injetar recursos quando o problema surge, precisa ser perene porque é muito difícil trocar o pneu com o carro andando”, afirma Fonseca. Em função dessa dificuldade, enquanto vários países estão com imunizantes já prontos para aplicação, no Brasil, os estudos estão em fase pré-clínica, em testes de animais. Segundo o presidente, a parte mais demorada – que é a de testes em seres humanos – ainda nem foi iniciada por aqui. 
Mas, como ele pondera, a criação de uma vacina local é urgente para a erradicação da doença no país. Um dos principais motivos é evitar a dependência de outras nações. Nessa primeira fase de vacinação no Brasil, por exemplo, há disponibilidade de 6 milhões de doses. Como são necessárias duas aplicações em cada pessoa, só há garantia de vacinar 3 milhões de brasileiros, um universo de aproximadamente 1,5% da população total.  
Outra questão levantada por Fonseca é a existência de possíveis variantes do vírus, como as que já surgiram em Manaus e no Rio de Janeiro. Caso haja um comportamento diferenciado do vírus no país, haverá necessidade de vacinas para imunização contra essas variantes. O especialista pondera que, depender de outros países para essa produção, pode gerar resultados mais demorados. 

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