Jornal Estado de Minas – Paola Carvalho
Não há pedra fundamental, descerramento de placa, comunicado ao mercado e muito menos um evento que marque o início da chegada da inovação a Minas Gerais. Mas há uma unanimidade: a importância da fundação, em 1958, da Escola Técnica de Eletrônica (ETE), por Luzia Rennó Moreira (1907-1963), a Sinhá Moreira, que transformou Santa Rita do Sapucaí, uma típica cidade mineira com atividade econômica baseada no café com leite (agricultura e pecuária), no Vale da Eletrônica, em alusão ao Vale do Silício (EUA). De lá até o San Pedro Valley, uma das principais comunidades brasileiras de startups (empresas de base tecnológica com venda escalável de seu produto), surgida espontaneamente no Bairro São Pedro, em Belo Horizonte, e outras 32 que se espalharam pelo estado, há hoje um ecossistema em ebulição. Ele é formado por indústrias tradicionais, empreendedores, instituições de ensino, governo, bancos, fundos de investimentos, aceleradoras de negócios e ideias, entidades de fomento, entre outros agentes.
Filha de coronel, Sinhá Moreira viajou o mundo (México, Estados Unidos, Europa, Japão…) com o marido diplomata, Antônio Moreira de Abreu, e passou a acreditar que educação era a semente para o progresso. Em 1936, pede a separação, volta para Santa Rita do Sapucaí e, além de obras sociais, dedica-se à construção da ETE. Foi iniciativa dela procurar o então presidente Juscelino Kubitschek, que assinou o decreto para a criação, há 60 anos, da primeira escola técnica de ensino médio do país. Hoje, o Vale da Eletrônica reúne cerca de 150 empresas em um Arranjo Produto Local (APL) e emprega no município quase 15 mil pessoas, cerca de 30% da mão de obra da indústria eletrônica de Minas.
“A inovação ocorre quando um novo produto, processo ou serviço gera um novo faturamento, ou seja, alcança o mercado. Há casos em que um novo serviço, ao gerar benefício social, apesar de não ser vendido, pode ser uma inovação”, afirma o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Evaldo Vilela. “Entre os vários conceitos, considero o mais relevante aquele que destaca os impactos gerados pela inovação para a sociedade de uma forma geral”, diz a gerente de negócio e parcerias da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), ligada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Janayna Bhering.
Sempre à frente
Percebemos isso em Santa Rita do Sapucaí e continuamos registrando inovações ao longo da história, em diferentes cantos de Minas Gerais, como na atração de indústrias inovadoras à sua época. É o caso das siderúrgicas, que permitiram beneficiar uma das principais commodities do estado, o minério de ferro. A Usiminas, por exemplo, iniciou em 1962 as suas operações em Ipatinga, na região que ficou conhecida como Vale do Aço. Já a Fiat foi a primeira montadora brasileira a instalar-se fora do eixo Rio-São Paulo, em 1976, em Betim, consolidando a região metropolitana como o segundo maior polo automotivo do país. Agora como Fiat Crysler Automóveis (FCA), a unidade concentra áreas de desenvolvimento, simulação, projeto e construção – incluindo a única área de design fora da Itália. Tem capacidade para produzir mais de 800 mil veículos por ano de 16 modelos diferentes.
Para Ramom Azevedo, diretor-executivo da Fundep Participações (Fundepar), que identifica e desenvolve empresas de base tecnológica de origem acadêmica com alto potencial de crescimento, a evolução do ecossistema de inovação em Minas evoluiu a partir de duas vertentes. “A primeira envolve o papel das universidades na formação de pessoas e geração de tecnologias. A segunda, o perfil empreendedor das comunidades em todo o estado”, disse. Para exemplificar, ele cita a venda da Akwan, nascida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para a Google, em 2005, possibilitando o estabelecimento do primeiro centro de pesquisa da companhia fora dos Estados Unidos. Outra citação é a venda da produtora de medicamentos Biobrás para a Novo Nordisk, em 2010, demonstrando a importância da geração de valor na construção de uma empresa baseada na tecnologia.
Comunidade de ponta
No ano seguinte, em 2011, nascia o San Pedro Valley, uma comunidade que hoje reúne mais de 200 startups, muitas que atingiram alto grau de maturidade, como a Sympla, MaxMilhas, Rock Content, Hotmart, Méliuz e Sambatech. E todas, cuja história se confunde com a do próprio San Pedro Valley, resolveram se manter em Belo Horizonte. “Muito se fala de êxodo de empresas e de talentos, mas escolhemos ficar em BH, que hoje tem ambiente propício para o desenvolvimento. Nos outros lugares, temos unidades comerciais”, explica Yolanda Vieira, diretora de TI e produto da Sambatech.
O Banco Inter, um braço dos negócios da família Menin, fundadora também da construtora MRV, é o primeiro banco 100% digital a lançar ações na Bolsa de Valores de São Paulo. Apesar de a maior parte de seus mais de 700 mil clientes estarem em São Paulo, a sua sede também fica na capital mineira. “Até criamos, em parceria com a Localiza e MRV, o Órbi Conecta, um ambiente para que empreendedores orbitem por aqui e façam conexões com grandes empresas que vêm de fora”, afirma o vice-presidente do Inter, Alexandre Riccio. Com uma história de 88 anos, o banco BMG criou um braço, o BMG UpTech, que mais do que investir em startups trabalha para conectar o ecossistema. “É importante mesclar a nossa veia empreendedora, que sempre existiu, com as mentes inovadoras. É uma revolução também cultural e um pouco de cabelo branco faz bem”, pondera o vice-presidente do BMG, Eduardo Dominicale.
Nesse sentido, entre diferentes frentes de atuação, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado de Minas Gerais (Sedectes) foca no Seed, programa de aceleração de startups para empreendedores do mundo todo que queiram desenvolver seus negócios no estado. Com o primeiro edital lançado em 2013, está em sua quinta rodada de aceleração, tendo atingido 6.481 inscrições, participação de 152 startups e 384 empreendedores. Juntos, geraram 300 empregos diretos e captaram R$ 22 milhões em investimentos. O coworking (espaço compartilhado de trabalho), que funciona no Centro de BH, recebeu 9 mil visitantes apenas em 2017. “O nosso desafio é fomentar o ambiente para mudar a matriz econômica do estado e preparar o jovem para essa mudança de era, onde a tecnologia está na medicina, na engenharia, em todas as áreas”, diz Leo Dias, subsecretário de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Reforçando que a inovação está em todo lugar, Leandro Libério, conector do ecossistema de empreendedorismo em Minas, chama a atenção para a mudança nas organizações, que deixam de ter um modelo linear, segmentado, repetitivo e previsível para ser não linear, conectado, imprevisível, exponencial e multidisciplinar. “Carros autônomos, robôs inteligentes, inteligência artificial, indústria 4.0… fazem parte de uma nova realidade que será decisiva para o futuro dos negócios”, destaca Anízio Viana, gerente de inovação do Sebrae Minas. “Estamos vivendo uma revolução, cujo impacto econômico e social será muito claro entre 10 e 15 anos: temos centro de pesquisa de excelência, talentos formados em universidades que estão entre as melhores do país, e recursos para a promoção da inovação e do empreendedorismo”, afirma Gustavo Junqueira, parceiro da gestora de recursos em inovação Inseed.
Fonte: Paola Carvalho – jornal Estado de Minas