A busca pela cura e uma vacina contra o Covid-19 em todo o mundo e a necessidade de produzir soluções diversas para o campo da saúde, desde a produção de equipamentos de proteção individual (EPIs) usando impressoras 3D, até a melhoria dos uxos hospitalares, jogou luz sobre empresas que já existiam, mas passavam despercebidas pela maior parte da população: as health techs ou startups voltadas para a área de saúde.
A comoção mundial alcançou esses empreendedores acostumados a colocar a tecnologia a serviço de soluções rápidas e objetivas de diferentes maneiras. Há os que contribuem no desenvolvimento de novas soluções, os que resolveram ajudar e descobriram novas verticais de negócios e os que receberam novas demandas para o que já faziam.
A verdade, segundo o CEO do BiotechTown, Bruno Andrade, é que a maioria já estava em plena ação e agora ganhou os holofotes da mídia e um interesse muito mais aguçado de possíveis investidores.
Sediado em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), desde 2018, o BiotechTown é um hub de inovação em biotecnologia e ciências da vida construído por meio do investimento da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), através da Fundep Participações S/A (Fundepar), e da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), através da Codemig Participações S/A (Codepar).
“Eu não diria que há um ‘boom’ das health techs, o que existe é um farol direcionado para elas. Essas empresas estão aí porque, desde que mundo é mundo, as pessoas querem desenvolver produtos para a melhoria de qualidade de vida. O que resta de bom – se é que podemos falar nesses termos – é que essa visibilidade ajuda a atrair investimentos. Instituições como a nossa são feitas exatamente para momentos como esse. Estamos lançando a terceira chamada para startups. Isso está acontecendo porque já estava no calendário, mas claro que o processo vai ser impactado pelo cenário criado pela pandemia”, explica Andrade.
O BiotechTown faz chamadas anuais e seleciona 10 startups – por vez – para um programa de aceleração de um ano. São feitos aportes em capital e em tecnologia, mentoria, gestão e disponibilização de laboratórios. As inscrições começam dia 14 e as informações estão no site.
Para o diretor da Fundepar, Carlos de Oliveira Lopes Junior, esse é um cenário que pode gerar grandes oportunidades, porém é importante tomar cuidado com os oportunistas e com uma empolgação exagerada. A Fundepar é a unidade de negócio da Fundep que atua na Gestão de Fundos de Investimento. Especializada no desenvolvimento de negócios inovadores de alto impacto com diferencial tecnológico, é a gestora do Seed4Science e apoia empresas em estágio inicial de desenvolvimento por meio do aporte de capital empreendedor e do suporte à gestão, com ênfase na transformação de tecnologias em produtos e serviços de alto valor agregado.
Oportunidades – “Aproveitar as oportunidades é diferente de ser oportunista. Adaptar a tecnologia é diferente de anular os seus planos. As startups devem ter muito cuidado com o caixa porque, além da imprevisibilidade do mercado, elas têm que ser ágeis para tomar as decisões e manter o foco. Atuamos muito próximo à gestão das empresas para trazer esse planejamento. A análise constante do cenário permite isso. Sabemos que algumas mudanças são temporárias e outras não. É preciso lidar com isso”, analisa Lopes Junior.
A avaliação do cofundador da Caravela Capital, Lucas de Lima, caminha no mesmo sentido. A Caravela Capital é um fundo de venture capital paranaense com foco em empresas tecnológicas early stage (em estágio inicial) de qualquer segmento no Brasil.
“A pandemia, com certeza, alterou o olhar e os investimentos sobre as startups. Podemos observar isso facilmente em mercados como o de vendas on-line, teleconferências e saúde, especialmente. As health techs já existiam e estão ganhando mais visibilidade agora. Consideramos o ecossistema de inovação de Belo Horizonte muito forte, inclusive com destaque para o segmento da saúde”, pontua Lima.
O conselheiro e diretor da Fundepar, Euler Santos, destaca a capacidade de atração de investimentos estrangeiros por parte das startups brasileiras, mas, também, que o caminho é dificultado pela falta de um ambiente de negócios propício para que essas empresas se desenvolvam.
“A atração de capital tem a ver com liquidez e historicamente nunca teve tanta. E tem a ver com a remuneração do capital e o risco. O fluxo de investimento em startups no Brasil é regulado e é muito mais positivo em capital internacional do que nacional. Para atrair parte desses investimentos para Minas criamos o BiotechTown. Pelo lado da academia, tem toda uma burocracia de protocolos que a universidade não sabe e não tem como fazer. Uma startup também não sabe. No Brasil não tem uma estrutura que ajude a fazer o registro do produto, então montamos uma. Fomos para os EUA, Europa e Israel para visitar estruturas similares. Vejo que no futuro o investimento privado em ciência vai se tornar mais relevante que o público”, analisa Santos.
Investimento estrangeiro – A estrutura do BiotechTown se presta também a receber empresas estrangeiras que escolheram o ecossistema de inovação mineiro para se desenvolver. A ideia, com isso, é fomentar o intercâmbio de conhecimentos e de prossionais. A indiana Erba Mannheim está em território mineiro desde o ano passado.
O Country Manager da Erba Mannheim no Brasil, Tarcísio Vilhena Filho, elencou as razões para eleger o BiotechTown e o Estado para instalar a unidade: “Infraestrutura completa de escritórios e salas de reuniões à disposição sem a necessidade de imobilização/aluguel de local próprio; possibilidade de utilização do CMO para em futuro próximo iniciar alguma linha de montagem da Erba no Brasil; ambiente oxigenado com a presença de empresas e startups que, eventualmente, podem trazer sinergias às necessidades operacionais ou estratégicas da Erba para o Brasil; o governo de Minas concedeu à Erba Brazil um importante benefício scal a partir do Corredor de Importação; conseguimos encontrar em Minas um operador logístico especializado na área de saúde (BHZ Log), que já possuía todas as certicações junto à Anvisa que dinamizou a implantação da operação no País, proporcionando uma economia de tempo equivalente a mais de 12 meses para iniciarmos as vendas no Brasil”, informou a nota.
Escassez de linhas de financiamento emperram o setor
Idealizada dentro dos laboratórios da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Detechta é uma empresa de base tecnológica voltada à pesquisa e desenvolvimento para a indústria de vacinas e de diagnóstico in vitro, tanto para o mercado humano quanto para o animal.
A empresa atua na fase inicial do processo, produzindo e nacionalizando insumos que via de regra são importados para a montagem de kits no Brasil. Segundo uma das fundadoras da Detechta e também professora da Faculdade de Farmácia
da UFMG e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCTV), Ana Paula Fernandes, muitas empresas já atuavam no desenvolvimento de vacinas de acordo com as demandas existentes e agora direcionam os esforços para atender a demanda gerada pela Covid-19.
“As startups já estavam trabalhando e muitas se reposicionaram rapidamente para atender a essa nova demanda. Elas se tornaram mais uma alternativa para gerar produtos inovadores para o mercado. Nesse momento aquelas empresas que já tinham um certo grau de consolidação se destacam porque, de fato, a pandemia é um desafio enorme em termos de respostas rápidas e inovadoras. Vejo, porém, que ainda existem muitas limitações mesmo para as empresas que já vinham atuando, especialmente em relação aos nanciamentos que não chegam e à burocracia imposta aos empreendedores”, explica Ana Paula Fernandes.
A própria Detechta enfrenta o problema. Há mais de dois meses, com o objetivo de produzir insumos para a cadeia produtiva de vacinas, ela vem discutindo o formato de um empréstimo bancário sem conseguir encerrar a negociação.
Apesar disso, a pesquisadora acredita que, de alguma forma, o atual cenário de caos seja capaz de gerar um ecossistema mais organizado no futuro, capaz de vencer os percalços impostos por uma economia e um sistema político instáveis e burocráticos.
“Nós trabalhamos na essência do processo, nacionalizando insumos, e três meses é muito tempo em um contexto de pandemia. Essa espera por uma resposta inviabiliza qualquer desenvolvimento cientíco que seja urgente. Tomara que as instituições aprendam que é preciso ter um gatilho diferenciado para esses momentos. Na universidade, como professora, vivia a angústia de não ver o conhecimento se transformar em produto que atendesse a necessidade das pessoas. Por isso virei empreendedora. Mas, ainda assim, continua difícil”, avalia.
Para o conselheiro e diretor da Fundep Participações S/A (Fundepar), Euler Santos, as startups de saúde estão preparadas. “O segmento de diagnóstico ganhou uma visibilidade tal que foi para o noticiário. Ficou mais
transparente para o público como essa indústria funciona. O segmento está estruturado, sólido. Como em qualquer área, vai haver consolidação e vão car os melhores”, pontua Santos.
O sucesso das empresas brasileiras e o próprio tamanho do mercado nacional vêm atraindo também a atenção das gigantes multinacionais. “Trabalho muito com a área veterinária e o Brasil está sendo invadido por estrangeiros que
estão comprando as empresas menores. Eles querem implantar a tecnologia deles ou adaptar, mas não querem absorver as tecnologias nacionais. Falta política pública e amadurecimento das leis. Falta, ainda, entender quais as startups que realmente estão desenvolvendo novas tecnologias e demandam investimento para trazer essa independência.
O capital vai para onde dá resultado primeiro, mas é preciso ter os insumos e tecnologias estruturantes. Hoje, o disruptivo é a base do processo, é a sustentabilidade da cadeia produtiva daquilo que já está no mercado. O Brasil depende disso. Agora existe um posicionamento diferente das pessoas, da mídia e dos políticos a partir da pandemia. Cabem as perguntas: vai haver uma reversão dessa onda? Será só um reconhecimento ou a sociedade vai fazer uma opção de que o investimento nessas áreas é prioritário? Não basta só reconhecer, tem que investir. Investimento nessas áreas tem que ser política de Estado”, reclama a cofundadora da Detechta.