“Considerando o comportamento atual do meu filho de um ano e seis meses de idade, imagino que a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) não atrairia seu interesse, visto que suas formas e dinâmica de aprendizado são bastante diferentes do que ocorre na universidade de hoje.” O autor dessa frase é um colega da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep) na faixa etária típica da geração de docentes do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), ou seja, cerca de 30% de professores da UFMG.
O diagnóstico do diligente pai exara um anseio observado em todas as instituições universitárias contemporâneas: o desejo de um contínuo processo de reinventar a universidade. Ao mesmo tempo, representa um diagnóstico da instituição no presente e não um exercício de futurologia. Em ato contínuo, foi questionado por mim sobre como ele, de sua posição estratégica na Fundep, estava pensando em atuar para ajudar a reinventar a UFMG, de forma que, no futuro, seu filho se sentisse motivado a estudar aqui. Esse diálogo serviu para desencadear uma movimentação na Fundação, com o objetivo de pensar a reinvenção da Universidade. Começamos, portanto, a dialogar no sentido de elaborar um diagnóstico da UFMG. O primeiro ponto está exatamente na identificação de um petrificado projeto acadêmico pedagógico do atual sistema universitário brasileiro.
As atividades de docência evoluíram muito pouco desde sua última grande mudança atrelada à Reforma Universitária, que, em 2018, completará meio século. A herança dessa época é um modelo de formar profissionais à imagem e à semelhança do docente. Na perspectiva da pesquisa, atividade que, em muitas unidades, tem total supremacia sobre a docência, diversas gerações de pesquisadores convivem no ambiente universitário. A forma de produzir conhecimento da minha geração (a de 1968), caracterizada por uma carência radical de dados, é muito diferente daquela que marca a geração Reuni, que trabalha com uma overdose de dados. Com base nessa constatação, geramos uma ruptura conceitual e estabelecemos uma barreira quase intransponível de metodologias, abordagens e formas de disseminação do conhecimento. Essa constatação deve ser uma das fontes básicas da angústia do pai que vê seu filho cada vez mais inserido em um mundo de próteses tecnológicas e de dilúvio de dados. Reportagem da revista The Economist, publicada em junho de 2014, relata que estudos mais consistentes preveem que tecnologias com elevado grau de ruptura implicarão a falência, em 15 anos, de metade das universidades nos Estados Unidos.
No ato seguinte, começamos a procurar algumas experiências para minimamente identificar tendências que nos possibilitam modificar o presente da UFMG e projetar o seu futuro. Qualquer exercício de futurologia com abrangência de 20 anos, como quer o pai, corre o risco de cair no desvario total, como decorrência do processo acelerado em que novos conhecimentos e tecnologias são produzidos e incorporados pela sociedade. Portanto, no presente, existem experiências com potencial de ruptura como as que consideram as “universidades sem aulas”. Nessa temática, me atraem o Projeto Minerva e as experiências de no classroom, que incentivam a interação baseada em métodos arrojados. Muito provavelmente o filho de nosso colega se sentirá confortável nesse ambiente que está sendo construído.
Ao mesmo tempo, importantes projetos de pesquisa no mundo estão fortemente assentados na geração de dados de elevada qualidade e confiabilidade. A grande diversidade de sensores em tamanho, resistência e parâmetro provoca um dilema para o pesquisador sobre a forma de gerar, processar, consolidar e articular o dilúvio de dados para produzir conhecimentos novos. Na carteira de projetos gerenciados pela Fundep, podemos encontrar vários exemplos desse novo perfil de pesquisador. Mudando o olhar do pesquisador e da pesquisa para a instituição, destacamos um exemplo que ocorreu recentemente nas universidades do Reino Unido, que se transformaram em fonte de receita, gerando mais de US$ 110 bilhões em negócios por ano, o que correspondeu, em 2011, a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. A Coreia do Sul elevou a contribuição para o PIB de 0,2% para 1,3% em uma década. Esse potencial bilionário se estruturou em razão de uma palavra mágica: internacionalização. Para isso, as instituições de ensino superior dessas nações investiram pesadamente no acesso a alunos de qualquer parte do mundo.
Resta-me, agora, justificar por que faço essas reflexões e por que vejo a Fundep, que completa 40 anos neste mês, como instituição parceira do futuro da UFMG. Nas universidades de projeção, aquelas que alcançam o status de serem observadas pelas outras, existe o claro reconhecimento da importância da atividade de apoio para o sucesso da pesquisa e da instituição que a promove. Exemplo disso pode ser encontrado em recente editorial da Nature (528, Vol. 517), de 29 de janeiro, intitulado “Techincal support”. A Fundep existe exatamente para ocupar esse espaço intermediário entre os financiadores, os burocratas e os pesquisadores. A Fundação está estruturada como empresa privada e, com a flexibilidade e a agilidade que a diferenciam das instituições públicas, pode assegurar facilidades para os pesquisadores, procurando, cada vez mais, superar eventuais fragilidades, mantendo uma característica essencial de uma instituição com o perfil da Fundep: somos invisíveis, mas nossa atuação é imprescindível. O reconhecimento do nosso trabalho pode ser ilustrado na forma como o editorial da Nature se encerra ao dirigir-se ao pessoal de apoio: “We salute you” [nós vos saudamos]!
Espero que, com as discussões que travamos com o zeloso pai e com os desdobramentos de ações estratégicas da Fundep, possamos contribuir para que ele possa dormir mais tranquilo e acreditar que seu filho disputará uma vaga na UFMG no limite de sua competência, habilidade e sonho. Olhando para este ano, observamos um momento difícil, pautado pela austeridade e, ao mesmo tempo, por fantásticas oportunidades. Aproveitemos as adversidades para propormos alternativas para a construção do futuro. Nós e esse pai, com certeza, podemos e devemos fazer diferente.
Autor: Alfredo Gontijo de Oliveira – Presidente da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep) e professor titular do Departamento de Física do ICEx
Artigo publicado na coluna Opinião, edição 1892 do Boletim UFMG.